
Resenha de CD originalmente publicada pelo site Collectors Room
Por Ricardo Seelig
Nota: 09.0/10.0
“Vera Cruz”, primeiro álbum solo de EDU FALASCHI, foi vendido como um novo clássico do Metal brasileiro, o que gerou um nível de expectativa altíssimo. Com o seu lançamento concretizado, a pergunta é inevitável: o disco entrega o que prometeu? A resposta não é simples.
Para quem é fã de Power Metal, “Vera Cruz” soará como um trabalho perfeito. Ao lado de uma banda fenomenal formada pelos guitarristas Roberto Barros e Diogo Mafra, pelo baixista Raphael Dafras, pelo tecladista Fábio Laguna e pelo baterista Aquiles Priester, Falaschi entrega um álbum extremamente técnico, com uma sonoridade épica e grandiosa que revisita e se inspira em seus trinta anos de carreira, alcançando um resultado que agradará em cheio quem acompanha a trajetória do vocalista.
Musicalmente, percebe-se uma clara inspiração no já clássico “Temple of Shadows”, segundo álbum de Edu e Aquiles com o Angra e que saiu em setembro de 2004. Os timbres dos instrumentos e a própria estrutura das músicas trazem à mente o disco de quase duas décadas atrás, mas isso não compromete o resultado final. Outro ponto é que a abordagem de “Temple of Shadows” é intensificada em “Vera Cruz”, com destaque para a parte técnica, que explora a fundo a virtuosidade dos músicos. Esse aspecto aproxima o álbum do universo do Dragonforce, como se o novo trabalho de EDU FALASCHI fosse o fruto da união entre o Angra e a banda inglesa liderada pelo guitarrista Herman Li. O que se ouve é uma espécie de power metal extremo, com todas as características do estilo devidamente acentuadas. Por essa razão, quem não é apreciador desse tipo de música provavelmente não irá gostar de “Vera Cruz”, já que sua sonoridade não faz concessões e, como já dito, mergulha de maneira profunda no lado técnico, que pode ser entendido como “fritação” exagerada e desnecessária por parte do público.
No aspecto conceitual, o disco explora o descobrimento da Ilha de Vera Cruz pelos portugueses em 1500. Essa área compreendia parte da costa nordeste brasileira, localização do Monte Pascoal, a primeira porção de terra do Novo Mundo avistada pelos lusitanos e relatada na histórica carta escrita por Pero Vaz de Caminha, e enviada à coroa portuguesa. A Ilha de Vera Cruz acabou evoluindo e tendo mais áreas descobertas, revelando-se uma porção de terra gigantesca que viria a ser batizada como Brasil. O conceito das letras foi criado por EDU FALASCHI e desenvolvido por Fabio Caldeira, vocalista do Maestrick. O disco foi produzido por Thiago Bianchi (Noturnall, ex-Shaman) e mixado por Dennis Ward (que trabalhou com o Angra na trinca “Rebirth”, “Temple of Shadows” e “Aurora Consurgens”, além de inúmeros outros nomes como Voodoo Circle, Unisonic e Tribuzy).
“Vera Cruz” abre com a introdução “Burden”, que conta com narrações e efeitos sonoros que apresentam a história. “The Ancestry” entra a seguir e é a música mais rápida do disco, e nessa canção a abordagem das guitarras chega a incomodar um pouco, pois os dois guitarristas entregam solos rapidíssimos durante toda a faixa. Mas essa sensação acaba sendo minimizada pela capacidade de EDU FALASCHI em criar melodias vocais e pontes melódicas, habilidade que sempre esteve clara em toda a sua carreira e que aqui ameniza um pouco a sensação de “fritação” e conduz para um refrão forte e que deve ser cantado a plenos pulmões pelo público nos futuros shows. Apesar dos excessos da dupla de guitarristas, “The Ancestry” é inegavelmente uma excelente abertura para o disco.
O Power Metal puro dá as caras em “Sea of Uncertainties”, onde outra vez Falaschi mostra o talento para criar composições com ganchos fortes e que ficam na cabeça do ouvinte desde a primeira audição. A parte central conta com trechos instrumentais de tirar o fôlego, além de solos que conseguem equilibrar melhor melodia e velocidade. “Skies in Your Eyes” é a primeira balada do álbum e traz o vocalista trilhando um caminho onde sempre se saiu bem, vide exemplos do passado como “Heroes of Sand”, “Wishing Hell”, “Bleeding Heart” e “Breaking Ties”. E aqui não é diferente, com Falaschi mostrando o quanto sabe compor canções que agradam o ouvido e tem todos os requisitos para se transformarem em hits.
A velocidade volta à ordem do dia em “Crosses”, que é antecedida pela épica introdução “Frol de la Mar”. Com o pé no fundo, a banda brilha em uma das melhores faixas de “Vera Cruz”. Power Metal extremo com instrumental primoroso e uma bela interpretação de Edu. O único ponto que me incomodou um pouco é que a bateria de Aquiles, sempre criativa, aqui soou mais convencional do que o habitual, talvez pelo ritmo hiperativo que acaba impossibilitando viradas e experimentações.
A sempre bem-vinda união entre música brasileira e Heavy Metal dá o tom em “Land Ahoy”, que chama a atenção de imediato como uma das grandes canções de “Vera Cruz”. Beirando os dez minutos, entrega a melhor interpretação vocal de Falaschi em todo o álbum, mostrando que o vocalista superou totalmente os problemas com a voz que enfrentou no passado. Os trechos com violão são muito bonitos, assim como os solos. Além disso, o trabalho rítmico e a inclusão de outros instrumentos como flautas e percussão deixam a sonoridade ainda mais rica, além do coro de vozes que imprime dramaticidade e emoção. Belíssima composição!
“Fire with Fire” explora um andamento quebrado conduzido pela cativante linha vocal, enquanto orquestrações engrandecem a música. Elementos étnicos voltam no meio da canção, e os solos, mesmo esbanjando técnica, conquistam o ouvinte e funcionam muito bem. Merece destaque também o trabalho de bateria, onde Aquiles cria uma linha percussiva riquíssima. O resultado é uma música grandiosa e de muito bom gosto, que deve se transformar em uma das favoritas dos fãs. A banda entrega uma espécie de Prog Power em “Mirror of Delusion”, onde as guitarras e violões se destacam, além de mais uma melodia vocal bastante criativa de Falaschi. “Bonfire of Vanities” é uma balada que conta com um solo de Tito Falaschi, irmão de Edu, e mais um refrão pra cantar junto.
A parte final de “Vera Cruz” traz duas participações especiais bastante impactantes. Max Cavalera divide os vocais com EDU FALASCHI em “Face of the Storm”, mas senti falta de uma presença maior da voz de Max, que poderia cantar também outros trechos além dos que cantou. A canção é excelente, com um refrão fortíssimo e o esmerilho instrumental já esperado. O fechamento se dá com “Rainha do Luar”, que conta com os vocais de Elba Ramalho ao lado de Edu. Aqui, a comparação com “Temple of Shadows” é inevitável, especificamente com “Late Redemption”, que em 2004 trouxe Milton Nascimento dividindo os vocais com o então vocalista do Angra. A estrutura é semelhante, com a letra sendo cantada em inglês e português e um clima de conclusão da história. Elba está demais na música, com sua voz arrepiando até o mais careca dos headbangers, enquanto Edu também canta muito bem. A parte central apresenta orquestrações que imprimem um clima meio Disney para a música, o que torna a canção ainda mais forte. Lindo encerramento!
“Vera Cruz” é um trabalho que demanda várias audições para ser absorvido em sua plenitude. Escutar o disco de maneira casual, além de não fazer jus à grandiosidade do projeto, inevitavelmente levará à construção de análises apressadas e equivocadas, que provavelmente repetirão o mantra da “fritação exagerada e sem alma”. Não é por aí. Rico em sua musicalidade, com ótimas ideias e soluções melódicas (algo habitual nos álbuns de – e com – EDU FALASCHI), além de um trabalho de composição irretocável, é um disco fortíssimo e repleto de qualidades, ainda que peque em alguns exageros instrumentais, principalmente no trabalho de guitarras. Pessoalmente, gostei muito de “Vera Cruz” e o álbum atendeu, na minha opinião, a enorme expectativa criada em sua campanha de lançamento.
Se será ou não um clássico no futuro, isso só o tempo dirá. Mas agora, no presente, sem dúvida é um álbum excelente e que já faz história ao marcar o renascimento artístico de EDU FALASCHI, que deixa para trás os problemas com a voz e as polêmicas desnecessárias do passado e mostra-se um artista muito mais maduro e completo.
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